Receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) já na vida adulta é, para muitas pessoas, como colocar óculos depois de anos enxergando embaçado: de repente, a trajetória de vida ganha nitidez. Embora o autismo seja mais comumente identificado na infância, cresce o número de adultos que buscam avaliação neuropsicológica e acompanhamento especializado para compreender vivências que, por muito tempo, pareceram sem explicação.
Longe de ser apenas um rótulo, o diagnóstico tardio pode representar um divisor de águas. Ele permite ressignificar experiências passadas, compreender dificuldades sociais, sensoriais e comunicativas, e reconhecer potenciais que ficaram encobertos por interpretações equivocadas. Ao mesmo tempo, pode despertar sentimentos ambíguos, como alívio pelo entendimento e frustração por não ter tido acesso a esse conhecimento antes.
Do ponto de vista psicológico, a descoberta do TEA exige um processo de adaptação emocional. É comum que o adulto passe por reflexões intensas, revisitando situações de exclusão, incompreensão ou esforço para “se encaixar” em padrões sociais. Esse movimento pode gerar tanto autocompaixão quanto um luto simbólico pelo tempo vivido sem suporte adequado.
A Terapia Cognitivo-Comportamental TCC tem papel fundamental nesse contexto. Ela oferece recursos para desenvolver habilidades sociais, estratégias de regulação emocional e formas de lidar com situações desafiadoras. Ao compreender melhor seu funcionamento cognitivo e comportamental, o adulto com TEA pode construir relações mais saudáveis, reduzir sobrecarga sensorial e adaptar o ambiente às próprias necessidades.
Sob a perspectiva neuropsicológica, a avaliação detalhada identifica não apenas as características centrais do autismo, mas também, condições associadas, como: ansiedade, depressão ou TDAH. Muitas vezes, esses quadros coexistem e afetam de modo significativo a qualidade de vida. O mapeamento cognitivo e comportamental, portanto, é essencial para orientar intervenções personalizadas.
Apesar dos benefícios do diagnóstico, ainda existem barreiras sociais e culturais que dificultam sua plena aceitação. O estigma e a desinformação fazem com que muitos adultos hesitem em buscar ajuda ou compartilhar sua condição. Nesse cenário, é crucial ampliar o diálogo social sobre a neurodiversidade, reconhecendo que o TEA não é uma limitação absoluta, mas uma forma diferente de perceber e interagir com o mundo.
Outro ponto importante é a rede de apoio. Família, amigos e colegas de trabalho desempenham papel essencial na adaptação, fornecendo compreensão e flexibilidade para que o adulto autista possa expressar suas potencialidades. A construção desse suporte contribui para o fortalecimento emocional e para a inclusão social.
Assim, para muitos, descobrir o autismo na vida adulta é o início de uma jornada de autoconhecimento e fortalecimento. É abandonar a narrativa da inadequação e construir uma vida mais alinhada com valores e necessidades individuais. O papel dos profissionais de saúde mental é oferecer acolhimento, conhecimento técnico e estratégias práticas para que esse caminho seja percorrido com segurança e autonomia.
Mais do que um ponto final, o diagnóstico do TEA na vida adulta pode ser entendido como um recomeço: a oportunidade de escrever a própria história com mais clareza, autenticidade e liberdade.