A expressão Antropoceno se dissemina como nome para uma nova época da história da Terra após o Holoceno. O conceito se vulgarizou de tal forma que perdeu o sentido. Aliás, desde o princípio, tornava-se difícil sustentar que passávamos de uma época a outra sem transição. Em todas as crises de eras, períodos e épocas, existe uma transição, geralmente não nomeada.
É cedo para afirmar que vivemos numa transição. Vivemos, isto sim, uma crise dentro do Holoceno. Não sabemos se essa crise será superada, permitindo voltar à estabilidade do Holoceno, ou se inaugurará um nova época.
O que importa observar, primeiramente, é que essa crise foi provocada pelas ações humanas coletivas dentro de uma economia globalizada. Em segundo lugar, suas manifestações ameaçam a humanidade e a própria economia que a gerou. O desmatamento em larga escala é uma manifestação. O empobrecimento da biodiversidade é outra. Mais: poluição do ar, do solo e da água doce; poluição dos oceanos, exploração excessiva da natureza, grande produção de lixo e, acima de tudo, o aquecimento do planeta pela emissão de gases gerados pela queima de combustíveis fósseis e de vegetação nativa e plantada.
As mudanças climáticas são as manifestações da crise que mais merecem atenção. Parece que a crise se resume a elas. No entanto, outros fatores devem ser levados em conta se desejamos a saúde das pessoas, já que ela depende da saúde do planeta, da integridade dos seus ecossistemas e biomas, assim como da sua biodiversidade.
A preocupação com o equilíbrio do ambiente começou a se definir depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, e avançou com a Conferência Rio-92. A chamada consciência ecológica vem se ampliando nesses 50 anos, mas num ritmo ainda insuficiente para desacelerar a destruição, alcançar velocidade zero e permitir a restauração e revitalização dos ecossistemas e biomas.
Esse processo de reversão parece difícil e quase impossível. A economia tornou-se refém dos combustíveis fósseis. Parece que vai queimá-los até seu esgotamento. A necessidade de energia para girar a máquina mundial é tão grande que a energia gerada pelo sol, pelos ventos e pela força do mar parece insuficiente para movimentar a máquina mundial. Está sendo difícil também reduzir o volume de insumos químicos utilizados na agropecuária para produzir alimentos, sempre mal distribuídos em nível local, nacional e global.
A crise afeta a saúde? Sem dúvida, afeta a vida do planeta. Quantas espécies já foram extintas? Elas formam uma teia que assegura equilíbrios saudáveis. Afeta a vida das pessoas? A relação entre ambiente e saúde humana é a mais antiga escola médica. No mundo ocidental, a tradição iniciada por Hipócrates enfatizava essa relação. O clima e as águas eram fundamentais para a saúde humana. No oriente, a tradição derivada principalmente do taoísmo preconiza que a saúde depende do equilíbrio do corpo e da mente, assim como das boas relações entre sociedade e natureza. Daí a acupuntura.
Mas essa tradição foi substituída pela medicalização. O que importa são as clínicas, os planos de saúde, os hospitais, os equipamentos e os remédios. Os desequilíbrios ambientais são negligenciados. A medicina é pouco preventiva e muito curativa. Muita manifestação de câncer decorre da poluição do ar e dos alimentos. É mais rápido e lucrativo tratamentos oncológicos com medicamentos que prevenção.
As chuvas abundantes e as estiagens intensas provocadas pelas mudanças climáticas afetam a vida humana. Presenciamos o inchaço das cidades pela pobreza. A periferia cresce sobre margens de rios e encostas de morro. Equilíbrios ambientais são quebrados. Quando chove, os rios transbordam e as encostas deslizam, desabrigando e matando pessoas. As ingentes estiagens afetam o volume da água usada na agropecuária e no abastecimento público. Além do mais, o ressecamento do solo favorece a eclosão de incêndios devastadores. Altas temperaturas podem causar doenças e matar os mais vulneráveis: crianças e idosos.
A crise ambiental do nosso tempo, cujo marco inicial foi fincado na revolução industrial, tem estreita relação com a saúde humana.
Arthur Soffiati