Arthur Soffiati

Professor de história e eco-historiador
Mestrado e doutorado na UFRJ

Arthur Soffiati

Professor de história e eco-historiador
Mestrado e doutorado na UFRJ

Numa economia em que a natureza se tornou fonte de recursos e, ao mesmo tempo, local de descarte de rejeitos relegado a segundo plano, o fogo passa a ser um traço cultural comum. Seu uso permite que se limpe um campo ou se possa livrar do lixo de forma mais barata. As próprias leis que protegem a natureza e proíbem o fogo, para serem cumpridas, exigem intensa fiscalização. Os governos de qualquer país do mundo continuam entendendo que não vale a pena investir recursos financeiros em defesa do ambiente. Todos eles consideram mais importante – e com o apoio de empresários e sociedade civil – promover o desenvolvimento. A economia que promove o fogo é a mesma que sofre prejuízos com ele.

Os estudiosos de vegetação nativa devem ser mais ouvidos por governantes e empresários. Suas observações sobre fogo e florestas temperadas valem para as outras formas de vegetação nativa do mundo. Onde as florestas são diversificadas, o fogo entra com mais dificuldade. A própria floresta controla o fogo melhor do que os bombeiros e de forma bem mais econômica. Os estudos estão a demonstrar que a Terra está se aquecendo e se tornando mais seca por mudanças climáticas produzidas pela economia dominante na globalização. Nas florestas tropicais, o fogo não faz parte do seu ciclo. Negacionistas comumente alegam que a Amazônia não pega fogo porque é úmida. Incêndios naquela floresta, que continua como se apresentava em 1500, é invenção de ambientalista.

No entanto, ela está ardendo durante todo o ano. Por quê? Primeiramente, porque o desmatamento para obtenção de terras destinadas a lavouras e pastagens aumenta anualmente. Segundo, porque o fogo é ateado à madeira seca. Os incêndios não são espontâneos, como no Cerrado. Mesmo neste bioma, os incêndios estão aumentando não só por conta do calor e da secura, mas pelo avanço do agronegócio. O uso do fogo como instrumento de limpeza se alastra até no Pantanal, a maior área úmida do planeta. Assim, parece que a solução mais natural e mais barata para proteger, por exemplo, o território de Portugal entre os rios Tejo e Minho, na metade superior do país, é substituir o eucalipto e o pinheiro por um reflorestamento biodiverso. Não se trata de voltar à paisagem de 500 anos passados, mas a uma cobertura florestal nativa do país que tenha valor econômico direto e indireto.

A Galícia, território da Espanha, atravessou um verão difícil em 2022. Quase todo o país ardeu em chamas. Sabe-se que a Península Ibérica apresenta secura propícia a processos de combustão espontânea ou proposital. Ela está sofrendo uma espécie de processo de desertificação e se transformando numa extensão do Saara. Mas a Galícia ficava fora desse circuito. A maioria considera os incêndios como obra de São Pedro. verão de 2022 terminou no hemisfério norte, deixando muita seca e muito incêndio atrás de si.
O outono chegou trazendo alguma chuva. Não, porém, para compensar o ressecamento do verão. Mas os incêndios serão esquecidos pela população e pelos governos até a próxima seca, quando devem voltar mais destruidores. Vários cientistas já fazem essa previsão. As chuvas molharão a terra, mas não se infiltrarão nela como deveria acontecer. Haverá enchentes devastadoras. Os rios transbordarão. O assunto dos jornais será outro. E assim, segue a vida. Essa nossa vida, tanto na América do Norte, na América do Sul, na África, na Europa, na Ásia e na Oceania. Nossa marca é o imediatismo. Tudo é rapidamente esquecido. As chuvas e as secas destruidoras voltam e causam a mesma dor.

Copyright © 2023 Todos os Direitos Reservados. | Desenvolvido por Agência Destake – Criação de Sites