Arthur Soffiati

Professor de história e eco-historiador
Mestrado e doutorado na UFRJ

Arthur Soffiati

Professor de história e eco-historiador
Mestrado e doutorado na UFRJ

Creio que uma pessoa nascida no mundo analógico perceba melhor o mundo digital do que um nascido nele. Nasci em 1947, entre emissoras de rádio e cinemas de rua. A televisão foi se afirmando na década de 1950. O telefone fixo era usado para comunicação e, no máximo, trotes. Seria muito difícil praticar golpes como os praticados hoje na telefonia celular.

O ambiente eletrônico era muito reduzido e não era questionado quanto aos males que produzia na saúde humana. Havia pessoas que viviam o dia a dia? Sim, a maioria. Elas viviam o tempo presente, sem preocupações com o passado e com o futuro. Aqueles com pendores à vida artística e intelectual deviam colher informações e organizá-las a partir de uma perspectiva própria. Além do mais, não havia tantas informações falsas como atualmente.

No Brasil, o mundo digital começou a avançar sobre o analógico na década de 1990. Lembro bem da minha máquina de escrever e do primeiro computador, comprado em 1992. Custou-me um ano começar a usá-lo com certa desenvoltura. Hoje, parece tratar-se de uma engenhoca pouco melhor que a máquina de escrever.

A rede social mais utilizada era, então, a internet por intermédio de e-mail. A correspondência por esse meio ainda podia ser guardada, como se fazia com as cartas manuscritas e datiloscritas. Depois, uma infinidade de redes passou a exigir dos usuários comunicação rápida e cifrada. Aqueles que nasceram e cresceram no mundo digital usam os polegares para escrever de forma ágil, mas quase inventando uma língua nova, cheia de abreviaturas e de sinais. Os que provêm do mundo analógico, usam apenas o dedo polegar, demorando-se em redigir mensagens corretas que as próprias redes se incumbem de deformar.

Do ponto de vista da saúde, as redes sociais digitais excluem em graus diferentes aqueles que remanescem do mundo analógico, porque eles utilizam meios lógicos para usar um sistema quase intuitivo. Recentemente, tive a experiência de ver sumirem em meu celular quase todos os aplicativos e de estar num país em que tudo é feito pela internet. Aos 77 anos, tive de recorrer a jovens, pedindo ajuda. Eles conseguiram recuperar o mínimo necessário para manter comunicação com a família e me ensinaram os passos para chegar ao objetivo sem que eu pudesse compreendê-los.

Num mundo em que se fala tanto de inclusão, o universo digital tende a excluir os que remanescem da era analógica. Esta não excluía os jovens, mas, os integrava pouco a pouco. A título de ensaio, noto que muitos idosos não dispensam o celular. No entanto, não sabem aproveitar todos os seus recursos. As mulheres idosas parecem ser mais habilidosas que os homens no uso dessa engenhoca.

O mundo digital favoreceu muito o narcisismo. Nele, o que se tentava ocultar no passado passa a ser ostentado com orgulho. De certa forma, ele democratiza na medida em que todos podem se expressar. Por outro lado, essa expressão não é organizada como no mundo analógico. Predomina a informação sobre a formação. Observe-se que a informação, em grande parte, é caótica ou mentirosa. Estamos embebidos num mundo de informação que mais desinforma que informa. E o sistema não ajuda a organizar as informações.

Quanto à saúde, parece não haver mais dúvidas de que o mundo digital cria dependência nos que estão mergulhados nele, sobretudo crianças. Dar um celular para o filho é aquietá-lo, mas também, contribuir para criar dependência a uma droga que afeta seu cérebro. Para os adultos, não é muito diferente.

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