Paradoxalmente,
a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, ambas no século 18, avançando
para o século 19 e 20, contribuíram de forma significativa para o avanço da
medicina. De fato, é paradoxal esse avanço, porque, nas suas origens, a
Revolução Industrial, acentuou o processo de urbanização de forma acelerada. As
cidades, sobretudo Londres, tornaram-se mais insalubres. As moradias dos
operários eram pobres. Não havia ainda água tratada e encanada. O esgoto corria
a céu aberto pelas ruas. O ar era muito poluído, sobretudo pelos gases
derivados da queima do carvão.
Por sua vez, a revolução francesa foi
muito virulenta, notadamente na fase napoleônica, em que as intensas guerras
matavam muitas pessoas dentro e fora do país. As doenças transmissíveis foram
responsáveis por muitas vítimas fatais, tanto na Europa quanto nos outros
continentes. Na África, na América e na Ásia, os Estados europeus fundaram
colônias. A circulação de caravelas europeias promoveu a circulação de muitas
pessoas pelo mundo. A circulação de doenças, também, se aumentou tanto em
extensão quanto em intensidade.
O
historiador Thomas
Southcliffe Ashton e vários outros mostraram que o saneamento ambiental
contribuiu mais para reduzir a mortalidade que os médicos, os medicamentos e os
hospitais. Por sua vez, o pensador Michel Foucault demonstrou que o
conhecimento científico avançou com as guerras, porque elas, criaram ambiente
favorável ao desenvolvimento de médicos de combate, como o
cirurgião Dominique Jean Larrey. Ambulâncias móveis e hospitais de campanha
proliferaram com as guerras da Europa e com a Guerra de Secessão. As lesões
ampliaram o conhecimento sobre amputações e reparações.
Tais
avanços da medicina em tempos de guerra contribuíram para os tempos de paz. A
vida das pessoas melhorou? Sim, e não, ao mesmo tempo. Sim, porque as pesquisas
conduziram à produção de medicamentos poderosos. Dentre eles, merecem destaque
os antibióticos. A formação de médicos também se tornou mais sofisticada. O
corpo humano foi dividido em várias especialidades. A rede hospitalar foi de
vital importância. Não porque a população aumentou e se urbanizou globalmente.
As comunicações se aceleraram
e aumentaram as possibilidades de contágio. Estima-se em cem mil voos de avião
diariamente. As cidades cresceram com o êxodo rural. As condições de vida
pioraram na periferia. Os rios transformaram-se em verdadeiras valas de esgoto.
As florestas foram em grande parte removidas pelas cidades. Outras tantas
confinam com as matas. Certas doenças, como a febre amarela, por exemplo,
disseminam-se com mais facilidade em margens de fragmentos, de florestas. O
caso atual do Brasil é ilustrativo. Epidemias de ebola, dengue, zica,
chicungunia, aids, por exemplo, grassam com facilidade, porque os contatos
entre pessoas dos vários continentes se intensificaram, e porque, encontram
terreno fértil na pobreza. Repetimos: as chamadas doenças tropicais nada mais
são que doenças da pobreza.
E novas epidemias já são
previstas por cientistas. Os desequilíbrios ambientais devem ser levados em
conta para explicar os surtos. O adensamento populacional facilita os
contágios. A pobreza aumenta as doenças carenciais, e estas, favorecem as
doenças contagiosas.
A urbanização intensa aumentou
o índice das chamadas doenças da civilização. Doenças degenerativas, como a:
hipertensão, a elevação do mau colesterol e da glicose. A má alimentação
associada ao sedentarismo aumenta a taxa de obesidade. Mas a desigual
distribuição de renda entre países e no interior de cada um, acarreta e agrava
mais ainda os problemas de saúde.
Por trás de tudo, está a
economia de mercado. Ingenuidade pensar que os agentes de saúde estão a serviço
do bem-estar da humanidade. Vários deles podem até pensar assim, mas a
indústria farmacêutica, os planos de saúde, as clínicas, os hospitais caros, as
cirurgias desnecessárias estão atreladas ao capital. Nascer, viver e morrer
passou a ser um negócio lucrativo. As necessidades básicas do ser humano caíram
progressivamente nas malhas do mercado nos 600 anos da globalização ocidental.
Alimentação, saúde, educação, moradia, trabalho, lazer e cultura, as principais
necessidades humanas, foram progressivamente capturadas pelo mercado.
Agora, a medicina abre uma nova
fronteira: o prolongamento da vida humana. Há quem estime que a vida humana
pode alcançar a média de 115 anos. Outros ampliam esta estimativa para 125
anos. Há quem mesmo alimente a utopia de se chegar aos mil anos de vida.
Investe-se cada vez mais no tratamento às doenças do envelhecimento, como o mal
de Alzheimer, o Parkinson, o câncer etc. Não importa muito a qualidade de vida
do idoso. Parece que o prolongamento da expectativa de vida é mais importante,
porque ela se torna mais rendosa. Pode-se concluir que o humanismo ocidental não
é humanista.